segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Carta de repúdio contra matéria publicada no jornal Folha de São Paulo dia 24 de setembro de 2012

No dia 24 de setembro de 2012, a Folha de São Paulo publicou uma infeliz reportagem sobre o que considerava serem indicadores de tendências conservadoras e tendências liberais em relação a temas polêmicos da atualidade, entre eles a homossexualidade (foto abaixo). Segue transcrita a carta de repúdio enviada pelo G8-G à Folha, posicionando-se contrariamente apontando o erro terminológico na escolha da palavra "homossexualismo", bem como contra a rasa e discriminatória bipolarização da sociedade que a reportagem se propunha a fazer. 




Caríssimos e Caríssimas editores e editoras da Folha de São Paulo,

Nós, do G8-Generalizando, Grupo dos Direitos da Mulher e de Gênero do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (SAJU/UFRGS)¹, através da presente carta, objetivamos demonstrar nosso pesar sobre o que julgamos uma inapropriada escolha do termo "homossexualismo", bem como do contexto em que está inserido, em reportagem publicada no dia 24 de setembro de 2012.  Importante ressaltar que a presente carta não se trata de uma tentativa de impor algum tipo de “verdade”, mas sim ampliar o debate trazido na reportagem para um outro enfoque, na busca de um pensamento crítico e renovador acerca das questões de gênero.
Talvez, o primeiro enfoque que deve ser dado, antes de adentrarmos na questão da reportagem propriamente dita, é uma reflexão acerca de como termos e expressões carregam uma força maior do que muitas vezes a imaginada pelo interlocutor. Desse modo, gostaríamos de ressaltar que todas as tentativas de diminuição do discurso crítico com expressões como “ditadura do politicamente correto” não atacam a questão central do problema, mas tentam diminuir aquele que ataca. Desse modo, vemos que há uma redução do discurso a apontamentos que nada tem a ver com o tema. Acreditamos que a utilização de determinadas expressões, cujas origens são as mais diversas, são apenas uma ferramenta de reprodução de discursos opressores a minorias. Por isso, rechaçamos de pronto qualquer tipo de contra-argumento que não ataque nossas fundamentações, mas a bandeira que, com dificuldade e coragem, carregamos.
A reportagem em questão visava a diferenciar em dois grupos diferentes a população. Tal divisão consistia em setorar a sociedade em apenas dois grupos: os conservadores e os liberais. Primeiramente, acreditamos que dividir uma sociedade pluralista e democrática em apenas dois grandes grupos é de tamanho reducionismo que há o risco de afrontas a disseminação de novas ideias, por não se encaixarem em determinado grupo, criando-se uma parcela que estaria à margem do debate social.
A reportagem faz referência ao tratamento que estes dois setores dão à questão da orientação sexual. Havia duas afirmações (ou, ao menos, a reportagem faz alusão a apenas duas) com a qual o entrevistado ou entrevistada deveria concordar. O primeiro problema já pode ser visto na própria definição da temática. O uso do termo “homossexualismo”, além de desatualizado, é carregado de um caráter ofensivo, carregado de preconceitos que perfizeram (e perfazem) a questão da sexualidade. Até 1974, a expressão constava no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais como uma patologia. O verbete foi retirado do manual, pois, desde os anos 1950, sabia-se que a homossexualidade não implicava diferenciações psicológicas. Há de se destacar que essa visão não foi, ainda, completamente superada, inclusive sendo pauta de projeto de lei em nosso Congresso Nacional.
É importante ressaltar que rotular determinado indivíduo por doente mental tem implicações muito sérias para seu desenvolvimento social. “Chamamos pessoas de doentes fisicamente quando o funcionamento de seu corpo viola certas normas anatômicas e fisiológicas; de forma análoga, chamamos de mentalmente insanas as pessoas cuja conduta pessoal viola certas normas éticas, políticas e sociais” (SZASZ, Thomas, 1980, p.29). Ou seja, tratar alguém por doente mental é excluí-lo da sociedade, entender que este viola um conjunto de normas informais que regem o viver. Tal visão é consubstanciada na própria ideia de manicômio, que segrega aqueles que são, supostamente, doentes mentais. Ao nosso ver, a utilização do termo que designa uma doença apenas auxilia a ideia de que a homossexualidade é, ao fim e ao cabo, uma patologia a ser curada e que os homossexuais são um grupo que violam algum tipo de norma de convivência.
Ademais, ressaltamos que as duas opções mostradas na reportagem são, em realidade, igualmente discriminatórias. A afirmação dos (ditos) liberais, ao conter a palavra aceitar, denota, na realidade, uma falta de liberdade, visto que expressa não uma relação de igualdade, mas de superioridade. O ato de tolerar a existência do outro é tão ruim quanto desencorajá-la, vide a opção oposta sugerida pela pesquisa. Segundo José Saramago, “a intolerância é péssima, mas a tolerância não é tão boa quanto parece”. Enquanto a opção conservadora da enquete, que propõe que a sociedade deve “desencorajar” o “homossexualismo”, incita uma ação repressiva e preconceituosa frente às minorias.  
Não é função da sociedade nem do Estado opinar sobre a orientação sexual dos indivíduos integrantes da população, quanto menos “aceitar” ou “desencorajar”, conforme sugerido pelo periódico em enquete. Em uma sociedade democrática apenas se convive com os demais integrantes, não ficando a cargo de ninguém aceitar, (des)autorizar determinado grupo ou comportamento.
Por fim, gostaríamos de destacar que a divisão binária de diversos problemas sociais deve ser sempre evitada. Ao dizer, por exemplo que a pobreza ou a) está ligada à falta de oportunidades iguais ou b) ligada à preguiça das pessoas, a reportagem desmerece qualquer análise sociológica séria a respeito do tema.
Agradecemos pela atenção,
Cordialmente,
G8-Generalizando

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