domingo, 14 de abril de 2013

A positividade do negativismo

Eu pensava que a falta de empatia das pessoas provinha da sua condição política, econômica e social favorável. Já esperava que um discurso discriminatório viesse de um homem, branco, de classe econômica superior e heterossexual.

Aí eu descobri que mulheres brancas e heterossexuais também promoviam posições discriminatórias, independente da sua classe econômica. Com o tempo, descobri que não-brancxs, heterossexuais, eram igualmente pouco empáticos. 

Já não mais me surpreendi, mas ainda me pus a indignar, quando descobri que não-brancxs, não heterossexuais, também detinham pouquíssima empatia com os demais, mesmo quando de classes econômicas desfavorecidas. Daí, então, dei-me por conta que empatia é característica de poucxs, e é exatamente isso que a faz tão bela... Decidi parar de me indignar com o óbvio, ter pouca expectativa sobre as pessoas e apenas me surpreender com ações positivas. 

Evidentemente, diante de ações negativas, continuo a indignar-me, embora isso não mais me entristeça com tanta força como antes. Eu poderia abraçar o discurso setentista do "viva rápido e morra jovem", contudo, saberia que isso seria fugir da luta... E a luta, amigxs, é a única coisa que me faz viver ultimamente. Por isso abraço-a. Por isso,

há braços. 


sexta-feira, 5 de abril de 2013

Por que eu dei pulos de alegria quando descobri que a Daniela Mercury é sapatão



Daniela Mercury e Malu Viçosa - felizes

Essa semana, vagando pela internet, vi a notícia de que a Daniela Mercury assumiu o relacionamento dela com uma mulher, que a Adriana Calcanhotto oficializou a relação dela com outra... E adivinhem só: achei o máximo. Fiquei feliz. Fiquei orgulhosa.
"Mas isso não é da conta de ninguém, não diz respeito a mim e eu não me importo."
Ok, pode até ser.
Mas, se por esse motivo a notícia não deveria existir, também não deveriam existir as seguintes notícias:
e uma infinidade de outras na mesma linha.
Ora, se um casal hétero pode gritar pra todo mundo que casou, que tá junto, que se ama, enfim; se um casal hétero pode dar um festão de casamento e sair em jornal, em revista de fofoca, em site de notícia; se um casal hétero aparece junto pela primeira vez em público e se faz disso uma grande coisa; se um casal hétero se separa, briga, se trai e isso vira manchete (e por aí vai), por que não poderia acontecer o mesmo com quem é gay/lésbica?
Adriana Calcanhotto e Suzana de Moraes - felizes
Nessa época de Felicianos, Malafaias e Bolsonaros, tanto anônimos quanto famosos, dizer "sou gay/lésbica/bi/trans+, eu amo, eu tenho minha vida e tô feliz" é uma forma de dar visibilidade à população LGBT+. "É, tão querendo aparecer, né? Querem mostrar pra todo mundo sua sem-vergonhice e querem ter privilégios e blablablá." Não, não dessa forma que tem muita gente pensando.
A visibilidade da qual eu tô falando aqui é aquela que precisa acontecer pra que se lembrem da gente. Pra que se lembrem que a gente também quer poder casar, também quer sair na rua de mão dada, também quer comprar casa junto, quem sabe ter filho, ter plano de saúde e, se precisar, se separar. E, se for o caso de uma separação, a gente quer que ela seja justa, que se decida o que fazer com a casa, o carro, os filhos e o plano de saúde da mesma forma que acontece quando um casal heterossexual se divorcia.
A visibilidade é importante pra lembrarem que a gente também quer ter direitos. É essencial pra que saibam que a gente existe. E, sabendo que nós existimos − e em tão grande quantidade (não, a população LGBT+ não surgiu há poucos anos, não é uma praga se espalhando e não tá "todo mundo virando gay") − talvez possa começar a acontecer o que eu chamo de "convencimento das pessoas de que ser LGBT+ é comum e natural". E aí isso, junto com outras medidas necessárias para diminuir o preconceito tanto no Brasil quanto no resto do mundo, vai dar cada vez mais segurança pra quem tem medo de andar na rua vestido do jeito que gosta, pra quem tem medo de sentar abraçado com quem ama no banco da praça, pra quem morre de medo de contar pra família que é gay (e quem é que tem medo de contar que é hétero?), pra quem não é chamado pelo nome social levantar a voz e dizer "meu nome é ____, eu não gostei de como tu me chamou e por favor, usa os pronomes certos".
Ivete e Xuxa - felizes

Enfim, quem tá dentro do armário deveria se sentir seguro pra sair, se quiser. Sem medo. Até que não vai mais ser um grande bafafá quando se descobre que "fulaninho é uma bicha" ou "beltraninha é sapatão".

E eu espero ansiosamente pelo dia em que não vai ter diferença nenhuma, pra ninguém, se a Xuxa casou com o Luciano Szafir ou com a Ivete Sangalo.



Mariane Cast, estudante de Artes, atuante no G8-G,
lésbica nas horas vagas e não-vagas

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Breve comentário sobre um povo sem memória. Ditadura gay?

Ontem, dia 1° de abril, na palestra de abertura da V Semana de Direitos Humanos da UFRGS, Marcos Rolim encerrou sua fala no painel que relembrava o início da Ditadura civil-militar ("uma noite que não acabou", conforme corretamente afirmava o nome do painel) fazendo referência à ascensão de bancadas religiosas fundamentalistas no congresso e demais instâncias de poder.

Achei interessantíssimo e inevitável de enfatizar essa fala, justamente porque estamos, de fato, diante de um contexto político e social que se utiliza das mesmas ferramentas e dos mesmos meios que, muito se acredita, foram condenados historicamente e hoje reemergem por trás de discursos mascarados. Para justificar um golpe de Estado (revolução, diriam xs civis orgulhosxs - ou inglórixs, como preferirem), alegou-se defesa da nação, que viria a ser "tomada" por "comunistas raivosxs" . Montou-se, a partir dessa alegação covarde, uma força desproporcional com alvo direto a uma parcela específica da população, sob o argumento de que estariam defendendo o país de uma ditadura.  Digo covarde porque, afinal, o futuro se encarregaria de provar a real intenção daquelxs que chegaram ao poder - qual tenha sido, de enriquecer ilicitamente e ascender politicamente.  (I)logicamente, essa defesa se daria através de outra ditadura. Ironia do destino ou não, o senso-comum atualmente repete o mesmo argumento viciado para promover atos discriminatórios e discursos de ódio contra toda a comunidade que não segue o sistema heteronormativo. É a "ditadura gay", alegam xs papagaixs do sistema.

O que vemos efetivamente, contudo, é justamente o mesmo ciclo retrógrado de um passado que não conseguimos superar: a deturpação da verdade por quem detém poder a fim de manter o status quo. Quero dizer, através de meios e instrumentos muito semelhantes aos ditatoriais (projetos de leis garantindo privilégios para xs poderosxs, uso da mídia para alienar a população), uma bancada se fortalece e paulatinamente passa por cima de direitos fundamentais, fazendo-nos inevitavelmente relembrar uma noite que, cada vez mais clareia na nossa mente, realmente ainda não acabou. Um povo sem memória, é essa a conclusão lógica a que chegamos. Cabe a nós, no entanto, decidir se queremos reproduzir a mesma triste história do passado, em que deixamos uma geração inteira se (sub)desenvolver sufocada por ideais repressores; ou então desejamos, enquanto há forças de representação disponíveis, acordar de um sono profundo antes que se torne pesadelo. Felizes foram aquelxs que interromperam as palavras de Marcos Rolim na noite de ontem para aplaudi-lo, pois assim deixamos claro que, sim, estamos de acordo: a bancada fundamentalista não nos representa, não enquanto violentamente quiserem denegrir a resistência ao sistema heteronormativo!

Há braços, há luta.